terça-feira, 15 de maio de 2012

“Em Portugal, o jogador estrangeiro tem mais tempo para tudo e o português não tem tempo para nada.” - Hugo Viana


Hugo Viana aos 29 anos, é unanimemente considerado um dos melhores jogadores do campeonato português. Presente nas fases finais dos mundiais de 2002 e 2006, o médio ambiciona regressar à Selecção e estar no Euro 2012.

Há 10 épocas, em 2001/02, sagrou-se campeão nacional pelo Sporting. Que balanço faz destes 10 anos?

Um balanço muito positivo. É certo que durante estes 10 anos nem todas as coisas foram boas mas no global o balanço é positivo. Penso que no futebol, como em quase tudo na vida, a última imagem é que fica e acho que os últimos anos foram bastante positivos para mim. Mas não esqueço o passado. Tive duas pré-épocas no Valência onde fui colocado à parte, a treinar sozinho, e não contava para o clube. Foram anos difíceis.

Com o passar dos anos, alterou a sua forma de jogar?

Com a experiência melhora-se e altera-se um pouco a forma de jogar. Ao longo da carreira trabalhamos com treinadores diferentes e aprende-se um pouco com todos eles. Com o passar dos anos a experiência e o saber ficam mais refinados. Há alguns anos não pensava o jogo tão tacticamente como o faço agora.

No Sporting, no Newcastle e agora no Sp. Braga joga com o número 45. Por alguma razão em especial?

Não, sempre tentei ter o mesmo número. No Valência e no Osasuna não estava disponível. Comecei com o 45 e gostava de acabar com esse número.

Quando ingressou no Sp. Braga pediu o 45?

Sim, foi “uma exigência” que fiz.

O Sp. Braga foi o clube ideal para relançar a sua carreira após as épocas que jogou em Espanha?

Neste momento posso dizer que sim mas também foi um passo arriscado para mim, não por ser o Sp. Braga clube, porque sabia que o próximo clube, após ter estado duas épocas no Valência com utilidade abaixo do normal, seria sempre um risco. Foi o Sp. Braga e sabia que o clube tinha todas as condições para eu relançar a minha carreira.

Pode dizer-se que foi uma aposta ganha?

Sim, foi a escolha mais acertada e não tive qualquer problema quando rescindi o contrato com o Valência e assinei pelo Braga. Assinei por três anos por saber também que o Braga é um grande de Portugal.

Nota-se que o Sp. Braga está a crescer de ano para ano. Os jogadores têm a noção de que os adversários já olham para o Sp. Braga de maneira diferente?

Nos últimos anos, o Braga tem feito coisas importantes e o jogo que demonstra é de equipa grande. Vai a qualquer campo sem receio e sem olhar com tanto “respeito” como fazia antigamente. Notamos ainda que as equipas que defrontam o Braga já não o fazem tão abertamente como no passado. Isso dificulta-nos em campo mas também é sinal de que o clube tem crescido e que já nos olham de maneira diferente.

Independentemente da posição em que o Sp. Braga terminar a Liga, pode considerar-se a época positiva?

Sim, a época foi extremamente positiva.

No clube bracarense foi treinado por Domingos Paciência e agora por Leonardo Jardim. Quais as principais diferenças entre os dois?

São dois excelentes treinadores. O Domingos teve dois anos fabulosos – um segundo e um quarto lugares no campeonato e uma presença na final da Liga Europa – e ficará, juntamente com os jogadores, na história do clube. Espero que o mister Leonardo Jardim consiga ganhar algum título com o Braga e assim fazer ainda melhor do que o seu antecessor. Para mim, neste momento, Leonardo Jardim é, como foi o Domingos no seu tempo, o melhor treinador e os nossos jogadores são também os melhores. Espero que a próxima época seja importante para o treinador e para os jogadores.

A derrota na final da Liga Europa frente ao FC Porto foi um momento difícil de superar?

É um lugar-comum dizer-se que as finais não se jogam, ganham-se. Perder foi duro mas foi extremamente positivo termos lá chegado. Foi uma época muito desgastante fisicamente porque tivemos que ganhar muitos pontos às outras equipas no campeonato e tivemos uma segunda volta brilhante, além de que ainda atingimos uma final europeia. Para nós, para o clube e para os adeptos foi excepcional. Perder a final não manchou a campanha que realizámos.

Como é que digeriu a derrota?

Uma derrota é sempre difícil de digerir. Quando perco custa-me a adormecer. Uma final é um pouco diferente porque sabíamos que se tivéssemos ganho iriamos ficar na história do clube, embora tenhamos ficado na mesma na por termos lá chegado. Se tivéssemos ganho a marca seria ainda maior.

Volta a falar-se numa possível transferência para o estrangeiro. Tem espírito de emigrante?

Não sei… fui para o estrangeiro muito novo – 19 anos – e voltaria a fazer a mesma coisa. Neste momento não me estou a ver a emigrar de novo mas na vida nunca podemos dizer nunca digas nunca. Tenho mais um ano de contrato com o Braga e não penso nesse assunto.

Gostou mais da liga inglesa ou da espanhola?

É difícil de escolher porque ambas são espectaculares. São diferentes mas talvez pelo respeito e pelo carinho que os adeptos têm pelos jogadores, se tivesse de escolher seria a inglesa.

Em Portugal, todos os anos se fala de salários em atraso. Acontece o mesmo em Espanha e Inglaterra?

No Valência cheguei a ter dois, três meses de salários em atraso. Mas embora isso por vezes aconteça e seja complicado, em clubes dessa dimensão, não sentimos tanto. Se olharmos para os clubes mais pequenos é muito mais difícil para estes do que para os clubes grandes. Se então me tivessem perguntado se acreditava que o Valência chegaria a essa situação eu diria que não. Mas chegou. É uma situação mais complicada para o clube do que para nós porque até aquele momento os salários estiveram sempre em dia. Não vou ser hipócrita… o impacto do incumprimento num clube como o Valência é diferente daquele que se verifica num clube mais pequeno.

Nesses campeonatos é exigido mais aos jogadores estrangeiros do que em Portugal?

Em Portugal é o contrário. O jogador estrangeiro tem mais tempo para tudo e o português não tem tempo para nada. Acho ridículo o que muitos clubes portugueses fazem ao jogador português. Por exemplo, não compreendo que jogadores titulares da Selecção Nacional como o Carlos Martins ou o Hélder Postiga tenham de emigrar. Hélder Postiga foi titular em 70 ou 80 por cento dos jogos da fase de qualificação para o Euro e, apesar disso, para a maioria das pessoas a sua transferência era mais bem-vista do que a sua permanência. Tanto o Carlos Martins como o Hélder Postiga foram para clubes espanhóis que lutam para não descer de divisão. Estamos a falar de jogadores titulares da Selecção, “obrigados” pelos adeptos a atingir uma final europeia, mas que ao mesmo tempo são “escorraçados” de clubes grandes. Não vejo o porquê, nem compreendo o facto de isso acontecer. Mas está à vista de todos. O Benfica não tem portugueses na equipa titular, o Sporting tem dois no onze base e o FC Porto é igual. Lá fora é diferente. O Real Madrid tem quatro/ cinco espanhóis na equipa base, o Barcelona está cheio de espanhóis. Era bom discutir por que é que os clubes grandes em Portugal não contratam mais portugueses.

Marcou sempre mais golos em Portugal do que em Inglaterra ou em Espanha. É mais fácil jogar em Portugal?

Não, claro que não, essencialmente penso que a principal razão se deve ao tempo de utilização que tive em Portugal e no estrangeiro.

É considerado um dos melhores jogadores da Primeira Liga. Não acha que merecia ser convocado para o Euro 2012?

Gostava muito de ir ao Euro. Se eu fosse responsável pela convocatória eu estaria na lista mas sempre respeitarei as opções, neste caso específico do seleccionador Paulo Bento.

Se não for convocado sentir-se-á injustiçado?

Não. Só podem ser 23 convocados. Resta-me esperar pela convocatória.

Foi colega de Paulo Bento no Sporting. Sempre tiveram uma boa relação?

Sim, há pouco tempo cruzámo-nos num evento desportivo e estivemos a falar. Nunca tivemos, ou haverá, qualquer tipo de problema entre nós. Uma coisa é certa, nunca serei treinador porque imagino que o papel do treinador seja muito difícil e na hora de escolher seja muito complicado. Por isso, para Paulo Bento não será diferente.

Está convicto de que nunca será treinador?

Não me sinto com vontade para vir a ser treinador. Neste momento não vejo o meu futuro ligado ao futebol mas daqui a uns anos não se sabe. Já esteve presente em fases finais de mundiais.

No Euro 2012, Portugal fico num grupo com Alemanha, Dinamarca e Holanda. Esse grau de dificuldade motiva ou amedronta um jogador?

O estar presente no Europeu já é uma motivação enorme. Portugal ficou num grupo complicado mas as outras equipas estarão a pensar o mesmo de Portugal. Nos últimos anos, a Selecção Nacional tem estado quase sempre bem em fases finais de europeus e mundiais e acho que neste momento, com a equipa e o treinador que Portugal tem, há razões para estarmos ao lado da Selecção. Devemos estar optimistas.

No Euro, Portugal precisa de um grupo de guerreiros?

Sim, esses jogos não se decidem só pela técnica ou pela qualidade dos jogadores. São jogos que se definem em lances de bola parada e em pormenores importantes como a questão física. Portugal tem uma equipa tão bem preparada em qualidade técnica como ao nível do confronto físico se isso for necessário.